Conversando com o presidente

27/01/2008

Cláudia Dantas

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), Charles Andrew Tang, tem nome americano, nacionalidade chinesa e coração brasileiro. Fã incondicional do Brasil, Tang critica pesadamente a política econômica praticada ao longo dos últimos 30 anos. Bem relacionado, o antigo executivo do BankBoston, que implantou o sistema de leasing no Brasil, já até derrotou o príncipe inglês Charles em partida de pólo.

 

Atualmente, estuda proposta de pré-candidatos à presidência da República para montar um planejamento econômico para um futuro governo. Sobre a crise americana, Tang é categórico: não afetará a China, mas o Brasil e a América Latina devem se preparar.

 

A crise americana afetará o Brasil e a China?

- Pouco provável. O governo chinês até quer reduzir o crescimento econômico. Se os Estados Unidos reduziram o volume de importações, deve reduzir 2%, no máximo. Hoje a China exporta para os americanos algo em torno de 10%. Já o Brasil, e toda a América Latina, precisam estar atentos. Mas o país tem reservas para precaver-se contra a crise.

 

O senhor acredita que a China tem condições de ocupar o lugar dos EUA no mundo?

- Não. Há 17 anos, o mundo era bipolar, em que Estados Unidos e União Soviética (URSS) dominavam. Com o desfacelamento da URSS, passamos a viver num mundo unipolar. Mas hoje, tudo mudou novamente. Vivemos num mundo multipolar, em que China, Europa unificada, e vários outros blocos de interesses político-econômicos se formaram, como os G-20 e o G-8. Não acredito que a China vá tomar o lugar de ninguém, o mundo será mesmo multipolar. Não é só o poderio militar americano que domina, o dinheiro também tem espaço, e por isso outros países se sobressaem.

 

Como o senhor avalia o Bric - bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia e China?

- Costumo chamar de Crib (berço em inglês). Eu não teria colocado o Brasil, teria colocado o México. O Brasil, por si só, tem mais condições de ser potência econômica.

 

Quando Brasil e China iniciaram as relações comerciais?

- Foi em 1974, muito preliminarmente. Naquela época, o PIB brasileiro era de US$ 334 bilhões, já o da China era de US$ 160 bilhões. As exportações também eram o dobro: US$ 12 bilhões do lado brasileiro contra os US$ 6 bilhões da China.

 

E depois?

- Depois, só em 1986, quando o atual embaixador chinês no Brasil, jovem secretário do Ministério de Relações Exteriores na China, me convocou para uma reunião com o então ministro, em Pequim. Fui convidado a construir a ponte de amizade entre Brasil e China. Foi assim que surgiu a idéia de criar a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China. O então ministro Wu Xuegian - que mais tarde se tornou vice primeiro-ministro no país - disse: "Todas as nações importantes têm câmara bilateral com o Brasil, menos a China". Pediu que eu voltasse ao país e transmitisse um recado ao presidente da República. "A China espera ansiosamente a visita do presidente Sarney, e informa que gostou bastante da última visita de Figueiredo", disse o vice primeiro-ministro chinês. Já fazia algum tempo que a China queria investir na parceria entre os dois gigantes.

 

Mas por que demorou tanto para acontecer?

- Demorou 22 anos, só agora o Brasil enxerga a China. Naquela época, ninguém estava interessado em fazer negócios com o oriente, nem desenvolver a câmara bilateral. Mas eu achei meia dúzia de pessoas que me ajudaram a formar a Câmara Brasil-China. Fernando Henrique Cardoso, então senador de São Paulo, os empresários Roberto Vidigal e Abraham Schaiman, entre outros.

 

E esta relação bilateral avançou desde então?

- Sim, avançou demais. Em 1999, o comércio bilateral era de US$ 1,54 bilhão. Os números do ano passado quase ultrapassaram a casa do US$ 23 bilhões, foi um salto gigantesco. Esta parceria é extremamente importante por várias razões, mas um dos fatores primordiais é que a China necessita de um país como o Brasil para fornecer os produtos estratégicos para o crescimento continuado e sustentado da nação. Já o Brasil, por sua vez, necessita da China para escoar produtos como soja e minério de ferro, dois commodities presentes no mercado internacional e que a China consome em larga escala. Graças à exportação destes produtos para o povo chinês o Brasil conseguiu o superávit necessário para pagar a dívida externa e obter as reservas atuais. Reservas estas que podem ajudar o país a enfrentar melhor as crises externas.

 

Então foi a China quem financiou a nossa estabilidade econômica?

- A China foi a locomotiva que gerou prosperidade no mundo nos últimos anos, por meio da demanda gigantesca por tudo. O Brasil quadruplicou a exportação de soja para a China, e eles são também o maior cliente do minério de ferro brasileiro. Antes da demanda chinesa, Vale, CSN estavam em situação difícil. Por isso, o Roger Agnelli (presidente da Vale) disse uma vez que reza toda a noite pelo crescimento da China. E o Eike acabou de falar: "Não fabrique nada que a China exporta, fabrique apenas o que a China importa". Realmente não dá para competir com eles.

 

Além de soja e minério de ferro, que outros produtos brasileiros interessam à China?

- Aviões, da Embraer; Café Pelé, torneiras elétricas, da Fama; Cachaça Ypióca. Temos um projeto de lançar a moda brasileira em Xangai. Queremos inserir o Brasil, pela primeira vez, na semana de moda chinesa. A Colcci quer levar a modelo Gisele Bündchen para abrir este evento.

 

Entrevista: II CHARLES ANDREW TANG - "Grande chance de ganhar na China"

Muitas empresas estão expandindo negócios em território chinês?

- Sim. Existem duas maneiras de se olhar a China: aqueles que olham o país com medo, sofrem e fecham as empresas. Mas aqueles que olham a China como uma gigantesca oportunidade de ganhar dinheiro, se dão muito bem. É o caso da Samello e da Azaléia. A primeira já fechou as portas, a segunda está faturando como nunca, cada vez mais próspera. A Arezzo também pretende abrir 300 lojas na China.

 

É a Câmara que auxilia as empresas brasileiras nesta negociação?

- Em grande parte somos nós que fazemos. Eu sugeri ao Maurício Botelho, da Embraer, abrir uma fábrica na China. Eu, pessoalmente, agendei reunião do Roberto Egydio Setúbal, do Itaú, na China. Depois desta viagem, ele ficou tão impressionado que mandou abrir um escritório em Xangai. O primeiro banco que levamos para a China infelizmente não existe mais, foi o Banco Santos. Nós introduzimos o Café Pelé lá.

 

Existem negociações recentes?

- Sim. Negociamos com um dos quatros grandes grupos de etanol para que invistam em etanol e biotecnologia aqui. Outra relação comercial que contou com nosso apoio foi a de algodão. A Associação Goiana de Produtores de Algodão (Agopa) pediu ajuda para ingressar na China, e em apenas quatro meses, trouxemos quatro empresas chinesas para consumir o algodão brasileiro, fabricado em Goiás. Abrimos um novo mercado por causa de iniciativa e trabalho do presidente da Agopa. Estas quatro empresas, juntas, consomem três vezes e meia a produção de algodão de todo o Estado.

 

O que interessa ao Brasil?

- Máquinas industriais. A Gerdau, por exemplo, acabou de investir US$ 250 milhões na compra de máquinas com alta qualidade técnica, e economizou mais de US$ 200 milhões para a companhia.

 

Por que é tão barato fabricar lá e comercializar aqui?

- Porque o custo chinês é muito baixo, o custo de vida também. O chinês vive quatro vezes melhor que o brasileiro, apesar de ganharem quase o mesmo salário mínimo, em torno de US$ 140 ao mês. Por causa dos custos baixos, todo mundo quer montar fábrica lá, Louis Vuitton e Ralph Lauren já estão lá. Eu compro camisas autênticas da Ralph Lauren por apenas US$ 3 cada. A Colcci também planeja se instalar. A China, hoje, é o maior exportador de deflação do mundo. O governo americano usa os produtos chineses para ajudar na deflação há muitos anos.

 

Que tipo de custos o senhor se refere?

- A carga tributária. As empresas brasileiras pagam a mais alta carga tributária do mundo, em torno de 38% do PIB brasileiro. O chinês só paga 17,5%. Com encargos sociais, por exemplo, o empresário brasileiro paga quase o dobro com a contratação de um funcionário. Na China, ele paga a metade para contratar.

 

Mas por que existe tal discrepância?

- Porque a China preferiu incentivar a economia e ver o país crescer, é a teoria mercantilista. Ao longo dos últimos 30 anos, o país tirou quase 400 milhões de chineses da linha de pobreza. O Brasil, ao contrário, investiu na política monetarista.

 

Qual é a diferença básica entre esses dois modelos?

- O Brasil aplica o modelo econômico de pobreza, e eu explico o porquê. Se toda vez que a economia quer crescer, a gente aumenta a taxa de juros para abafar o crescimento. Se o nosso modelo é estabilidade monetária a qualquer custo, mesmo a custo da nossa pobreza sustentada, nós vamos continuar pobres. Quando a economia dá sinais de crescimento no Brasil, o governo aumenta a taxa de juros para manter a demanda e abafar a oferta; ou seja, não querem crescer.

 

E o que a China fez nesse período?

- Enquanto isso, do outro lado do mundo, os Tigres Asiáticos adotaram a teoria mercantilista, que aumenta a oferta para atender a demanda e gerar o crescimento necessário para a nação. Esta teoria surgiu na China, durante os anos 60.

 

E como estava a economia brasileira nessa época?

- O Brasil estava no auge do milagre econômico. Crescia mais que a China e o Japão. Todos os executivos internacionais que aqui aportavam, se apaixonavam pelo país e não queriam ir embora. Como aconteceu comigo, quando vim dos Estados Unidos pelo BankBoston, para montar o sistema de leasing do banco. Por isso adotei esse país como meu, sou naturalizado brasileiro há anos, estou aqui desde o início dos anos 70. Se eu tivesse chegado nos tempos de hoje, com certeza não teria ficado, muita violência, muita pobreza e uma economia que não cresce.

 

E existe saída para a nossa economia?

- Sim, nós temos muito mais condições do que China ou Japão, de ser o maior tigre de exportações do mundo. De ser, portanto, uma superpotência econômica. Nós temos duas riquezas nacionais pouquíssimo exploradas e mal compreendidas: o povo brasileiro, que é o mais disciplinado e patriota que existe. Não existe povo nesse mundo que necessite de um sonho e de uma esperança por dias melhores do que o brasileiro. E por esse sonho, ele sacrifica qualquer coisa.

 

O que senhor quer dizer?

- O povo brasileiro apóia tudo que nosso governo faz. Em cada um dos pacotes malfadados, o povo inteiro apoiou, porque era a salvação da pátria, e prontamente aceitou todo o sacrifício que os planos demandaram. Agora, se o governo chinês propõe, por exemplo, confiscar as contas dos chineses, o povo depõe o governo.

 

O povo brasileiro seria cordato demais?

- Eu quero dizer que é muito fácil mudar, basta querer. Todos estamos imbuídos do desejo de crescimento econômico. Qual político pode ser contra a salvação da pátria? Por isso nenhum político questiona os planos econômicos implantados até agora. Cada um deles foi apenas uma profunda reestruturação do modelo econômico que vivemos.

 

E o empresário brasileiro?

- Essa parte eu falo como cidadão, e não como presidente da câmara. O empresário sério, este luta contra tudo e contra todos para gerar empregos. Paga uma fauna exótica de 61 tributos, que esmagam toda sua margem.

 

JB